Detalhes do Curso/Evento

R$ 360,00
Entender o antissemitismo - particularmente no momento difícil que atravessamos - e os motivos pelos quais constantemente se alterna entre latência e virulência não pode se dar apenas através de uma perspectiva mais recente ou unicamente política, isto é, desde os eventos da Segunda Guerra Mundial e a formação do Estado de Israel. A arte e o pensamento também refletem de forma plena a idiossincrasia de uma era. Observa-se com frequência que, para o grande público, a rejeição e oposição ao povo judeu tem raízes na Shoá e ocorre apenas pela obsessão irracional e malévola de um ditador. Grandes intelectuais como Mendelssohn, Maimon e tantos outros espalhados pela Europa foram impedidos de entrar em cidades como Berlin e Amsterdam, perseguidos na Inquisição espanhola, humilhados e relegados à miséria ou ao desprezo da sociedade europeia e, ainda assim, por muito esforço, não apenas mudaram o cenário adverso em que viviam, impuseram uma nova ordem na Era das Luzes e passaram a ser aclamados como mentes brilhantes. Agora pensemos em uma dupla barreira: ser mulher e judia. Parece praticamente impossível imaginar que Rahel Levi Varnhagen, Henriette de Lemos e outras conseguiram abrir um espaço único para si e outras, deixando sua marca no período iluminista ao importar um modelo francês: o dos salons literários. Porém, ao contrário de muitas europeias, não foram unicamente anfitriãs de saraus e tertúlias, mas dedicaram-se a elaborar seus próprios conceitos e correntes de pensamento ou expuseram corajosamente sua arte até transformarem as sociedades da Europa Central da época. Lamentavelmente, seu legado literário, filosófico, cultural e religioso ainda não foi inteiramente descoberto, traduzido e/ou analisado pelo grande público de leitores e interessados na cultura judaica, na profundidade que merece e que desejamos apresentar aqui. Definitivamente, sem elas, a Haskalá não está completa.

Dia da semana e horário
Quartas-feiras às 19:30hs

Dinâmica do curso
Aulas interativas on-line, ao vivo com a professora.

Título e resumo de cada aula

22 de maio de 2024 | Aula 01 | O conceito de "salon" literário e a ressignificação pelas pensadoras judias

Os encontros culturais e científicos realizados em espaços privados não são um fenômeno restrito a um determinado período histórico ou país. Desde a antiguidade, as reuniões para discutir assuntos de interesse intelectual sempre existiram. No entanto, a França marca ponto de inflexão ao dar a essas tertúlias (e exportá-las) uma nova capa, novos personagens, cenários e principalmente novas anfitriãs: mulheres da nobreza ou da alta sociedade.

Esse fenômeno se espalhou pela Europa e se manteve até o início do século XX. Na Europa Central, houve uma demora maior para que os salons ganhassem o interesse da aristocracia, pois a vida cultural era predominantemente masculina e as interações não ocorriam através de saraus. Mas a bolha foi "estourada" e muitas mulheres não apenas foram anfitriãs: tiveram a oportunidade de publicar seus escritos e traduzir textos ou exceler como musicistas e artistas plásticas, ao mesmo tempo em que se colocavam em pé de igualdade com seus pares masculinos.

Mas nessa nova realidade, onde se encaixavam as mulheres judias das poucas famílias abastadas ou com algum acesso à aristocracia? Os esforços de Rahel Levin Varnhagen, Henriette de Lemos Henz, Dorothea Schlegel, Fanny von Arnstein (Itzig) e Sara Levy foram essenciais para o reconhecimento da presença de judeus na sociedade, bem como para a liberação da mulher, inclusive para a publicação e produção de obras artísticas.

Aqui, além de focar no fenômeno dos salons de mulheres judias, concentraremos nossa atenção nos textos ainda não traduzidos, nas biografias apagadas, nos legados esquecidos e no porquê da ausência de pesquisas mais aprofundadas sobre um dos aspectos mais relevantes para a ascensão judaica nas esferas sociais europeias e a contraposição da judeidade como entrave para o pertencimento.

29 de maio de 2024 | Aula 02 | Rahel Levi e a busca filosófica pela verdade

Ser anfitriã de um salão literário requeria uma poderosa rede de contatos com as mais altas rodas sociais de um país. Tal empreitada exigiu das mulheres, desde o século XVI na França, um empenho e uma persistência ímpares, especialmente entre as que não foram apenas salonnières para fomentar a cultura, mas aquelas que desejavam tornar-se escritoras, poetisas, musicistas, artistas plásticas e tradutoras.

Já percebemos o quanto mais foi exigido das salonnières judias, apesar de pertenceram às poucas famílias já estabelecidas economicamente na época. Mas nada disso impediu que a jovem feminista e autodidata Rahel Levin se tornasse a mais importante femme de lettres da Alemanha na passagem entre o Iluminismo e o Romantismo.

Não é de se estranhar, portanto, que Hannah Arendt lhe dedicasse um livro inteiro para analisar sua trajetória, sua biografia e seu legado não somente como escritora (principalmente no gênero epistolar), mas como figura central na emancipação feminina. Ademais, seu salão teve frequentadores do cânone literário: Schleiermacher, Humboldt, os quais reconheceram sua intelectualidade e intercambiaram ideias que ajudaram a compor a literatura, a filosofia e a teoria da tradução daquele período.

Colocou em xeque sua identidade judia, dirigindo a si mesma um "auto-ódio" que ia além da religiosidade. Quase imergindo no sentimento romântico, seu desejo de transformar sua vida numa obra de arte complexa e profunda era impossibilitada pelos inúmeros obstáculos sofridos pelos judeus naqueles séculos. Rahel, como afirmou Arendt, marca a angústia de carregar a judeidade como um fardo pela rejeição do Self pela ação do Outro (a alteridade reversa).

Também, a partir de Rahel, é importante perceber e examinar os motivos sociais e filosóficos da conversão ao cristianismo de muitos judeus na época em prol de encontrar o sentimento de pertencimento.

05 de junho de 2024 | Aula 03 | Henriette de Lemos Herz, o belo intelecto

Nascida da união entre o português sefardita Benjamin de Lemos e de uma judia asquenazi, Esther Charleville, Henriette gozou de um contato próximo na juventude com a família Mendelssohn, tendo Brendel (Dorothea Schlegel) como uma de suas melhores amigas. Assim como Brendel, teve uma relação difícil com a mãe, preocupada com o espírito inquieto e curioso da jovem e belíssima Henriette, a quem determinou estudar costura. Devoradora de livros e frequentadora assídua de bibliotecas, teve incentivo do pai, com quem aprendeu 10 línguas e adentrou no universo da filosofia iluminista, do judaísmo e das distintas correntes literárias.

O casamento com o erudito médico Marcus Herz garantiu seu permanente contato com a literatura, as artes e ciências. Juntos, portanto, tornaram-se proeminentes na vanguarda berlinense com seu salon, o Doppelsalon. O espírito livre e reformista de Marcus se refletiu no apoio à Henriette, à sua aspiração intelectual. Enquanto Marcus mantinha o lado do salon dedicado à medicina, à física experimental e à filosofia, sob a racionalidade e objetividade, Henriette mantinha os saraus literários sob uma vertente subjetiva, estética e idealista que prenunciava o romantismo alemão.

Os saraus conduzidos por Marcus e Henriette tinham o peso de conferências, a ponto de produzirem compêndios sobre os temas tratados em cada um dos encontros. E a salonnière estabeleceu contatos com notórios intelectuais da época, especialmente com Wilhelm von Humboldt, a quem se atribui a condição de amante, ao menos no plano platônico, exposto em inúmeras cartas.

Aliás, é também através do gênero epistolar que conhecemos a dimensão de sua intelectualidade, embora, como Dorothea Schlegel, tenha tentado não deixar traços de seus escritos, queimando-os. Curiosamente, este fenômeno - que vamos analisar em profundidade - parece ter acompanhado muitas das salonnières judias, assim como outros escritores e artistas judeus de diferentes períodos (não teríamos a obra de Kafka se não fosse por seu amigo Max Brod, que salvou os textos das chamas). Mas, em 1990, uma coleção particular de cartas de Henriette estavam guardadas num arquivo secreto na Suécia, o que nos permitiu a reconstrução de sua voz como uma das iluministas mais importantes da Haskalá.

O conteúdo dessas cartas, sua interação com os intelectuais da época e sua autobiografia serão estudados com meticulosa atenção, num processo de resgate e reconhecimento do pensamento de Henriette.

19 de junho de 2024 | Aula 04 | Brendel Mendelssohn ( Dorothea Schlegel), a genialidade rebelde

A filha mais velha de Moses Mendelssohn, graças ao reconhecimento obtido pelo pai, pôde se dedicar à paixão pela literatura, embora isso tenha trazido severas divergências familiares, especialmente com sua mãe. Casou-se com Simon Veit, numa união promovida pelas famílias do casal, da qual nasceram quatro filhos, sobrevivendo apenas dois. Já nessa época, Brendel estava envolvida na cultura dos salons, tendo fundado seu próprio círculo de leitura e uma sociedade secreta para assuntos de ciência e artes chamada Tugendbund.

Alguns anos após a morte de Moses, Brendel - já então autodenominada Dorothea - conhece Friedrich Schlegel, por quem se apaixona, e por isso entra com uma petição para um processo de divórcio rabínico, cujas cláusulas incluíam a impossibilidade de ela e seus filhos se converterem a outra religião. O divórcio lhe custou a perda do direito de morar em Berlim e a relação com sua família foi destruída. Esse cenário foi agravado pela publicação de "Lucinde" (1799) de Schlegel, em que narrava intimidades da vida a dois. Mesmo assim, seu salon, Ziegelstraße não deixou de ser frequentado por figuras de fôlego como Tieck, Schelling e Novalis.

Já no início do século XIX, o casal muda-se para Jena, onde Dorothea escreve seu polêmico romance "Florentin" - que inclusive trata de questões de gênero e não-binarismo -, publicado anonimamente por Schlegel. Depois dessa etapa, sua vida é de mais e constantes mudanças: converte-se ao protestantismo e se muda para Paris, posteriormente, converte-se ao catolicismo e vai para Colônia, Viena e, por fim, Frankfurt.

No final da vida, Dorothea faz as pazes com a família e até mesmo com seu ex-marido Simon. Sua obra vai além de "Florentin", tendo escrito textos de crítica literária e realizado traduções, sem mencionar os diversos artigos para a revista Europe. Deixou sua marca no período de transição ao Romantismo e seu legado é uma contradição aparentemente insolúvel: fala-nos de uma judeidade recusada que a transformou em uma "outsider" (ora, mas não eram os judeus os outsiders? Ao recusar sua judeidade, ela se tornou verdadeiramente uma). Igualmente, oscila entre a defesa à liberdade feminina e a aquiescência ao poder masculino. Até hoje, seus textos geram diferentes correntes de pensamento na crítica literária dentro de círculos acadêmicos muito restritos, por isso, esse debate é pouco conhecido, assim como sua biografia e arte. É o que tentaremos corrigir neste módulo.

26 de junho de 2024 | Aula 05 | Vogele " Fanny" Itzig von Arnstein e a luta política

A mais célebre salonnière e patronesse da sociedade vienense do período das Luzes foi, sem dúvida, Vögele "Franziska" Itzig von Arnstein. Nasceu no seio de uma família cujos direitos já haviam sido concedidos pelo rei Frederick II da Prússia, dando a seu pai o título de líder da comunidade judaica na Áustria. Esse fato lhe permitiu crescer e ter acesso a um meio em que a cultura e a apreciação da arte e do pensamento já existiam. Assim, aprendeu 7 idiomas e tornou-se uma exímia musicista, especialmente no piano. Alie-se a tudo isso uma personalidade forte, que questionava os ritos tradicionais judaicos - influências do pensamento reformista de Mendelssohn - e não escondia os conceitos políticos que desenvolvera, apesar da forte oposição da família de seu marido.

Logo seu salon começou a ser frequentado pela alta sociedade vienense, mas também por figuras renomadas que se deslocavam de Berlim para participar dos mais famosos saraus de toda a Áustria de Joseph II. Inicialmente dirigido aos debates entre artistas e eruditos, Itzig logo estendeu esse centro de tertúlias a um ponto de encontro entre mulheres que almejavam discutir política, artes e ciências, recebendo nomes importantes como Madame de Staël.

Foi co-fundadora da Gesellschaft der Musikfreunde in Wien, Sociedade de Música Clássica de Viena, que mais tarde teria como diretores Anton Rubinstein e Gustav Mahler. Itzig atuou em vários projetos filantrópicos, mas foi no campo da política sua mais notável atuação. Após uma viagem a Paris, retornou enojada com as medidas e formas de governar de Napoleão Bonaparte. O auge de sua luta contra o regime bonapartista se deu durante o Congresso de Viena (1814-1815). Durante essa fase, seu salon foi frequentado por diplomatas e políticos de toda a Prússia, e ela contou com o suporte desse seleto grupo para tentar introduzir a igualdade de direitos para os judeus na Constituição da Alemanha Confederada. Participou ativamente da elaboração da petição ao Imperador Franz para a melhoria das condições dos judeus austríacos. Apesar dos impedimentos e da doença que a acometeu, sua persistência foi notória na Haskalá austríaca, como reconheceu Herz Homberg.

Analisar com profundidade a atuação política e ativismo de uma mulher judia durante a Haskalá na Áustria daquele período é crucial para compreender o empenho empreendido para o florescimento e busca pela equidade e justiça da comunidade judaica na Europa Central.

03 de jullho de 2024 | Aula 06 | Sara Levy, a virtuose da música e do pensamento

Durante muito tempo, esta salonnière - também da família Iztig, irmã de Fanny Itzig - passou praticamente despercebida pela comunidade acadêmica e círculos culturais. Os mais variados motivos podem ser atribuídos, além de seu gênero e origem - mulher e judia. Seja como for, apenas quando manuscritos da Sing-Akademie zu Berlin foram examinados com cuidado, ela ganhou um pouco de reconhecimento. Em 2014 (!), a Escola de Artes e Ciências de Rutgers New-Brunswick promoveu um simpósio em que Levy foi finalmente considerada como artista e intelectual que modelou o pensamento de sua época.

Além de uma exímia musicista, deve-se a ela a valorização e reconhecimento das composições de Johann Sebastian Bach, cujas obras colecionou, assim como a de outros mestres da música, incluindo Quantz, Telemann e Janitsch. Mais ainda, encomendou peças musicais a Friedmann e Carl Philip Emanuel, tornando-se um elo essencial na transmissão da música barroca e bachiana, isto é, mentora da explosão chamada "Bach revival" que dominou a Europa Central no início do século XIX.

Casou-se com o banqueiro Salomon Levy, que a incentivou a se apresentar no "Fliessische Koncert". Dos concertos a fundar um salon foi apenas um passo. Como afirma uma de suas biógrafas, Rebecca Cypess, como musicista, patronesse e salonnière, estabeleceu importantes amizades com filósofos, críticos e compositores numa sociedade refratária a judeus, especialmente àqueles que, como ela, mantiveram sua religiosidade até o fim dos dias.

Enquanto outros membros da sua família e judeus da época se convertiam ao protestantismos, Sara Levy se manteve fiel ao judaísmo. Foi capaz de combinar a sua ativa participação e dedicação à europeia com um comprometimento total aos preceitos judaicos de uma forma que muitos dos seus não conseguiram alcançar. Para Levy, o envolvimento profundo com a música e a capacidade de sintetizar e amalgamar diferentes ritmos – mesmo com uma tradição dominada por cristãos – não ameaçava o seu judaísmo, pelo contrário.

Um ponto importante a analisar neste módulo, além da biografia, legado e importância de Sara Levy, é o fenômeno da conversão ou fidelidade às origens. O pensamento de Levy que combina música e judeidade é essencial em seu percurso, mas também nos serve para compreender certas particularidades e diferenças entre as salonnières da Haskalá e suas diferentes contribuições para esse importante período.

 

Sobre a Professora Fedra Rodríguez

De origem sefaradi e dupla nacionalidade (espanhola e brasileira), Fedra possui duas graduações, dois mestrados, um MBA em curso e um doutorado concluído em Estudos da Tradução (UFSC e Universidad de Sevilla), além de formações complementares interdisciplinares. Atua como tradutora, pesquisadora, palestrante, produtora de conteúdo e escritora no campo da Literatura e Cultura do Oriente Médio e Maghreb desde 2006, e já publicou mais de 40 traduções, artigos científicos e de imprensa, capítulos de livros e livros técnicos sobre crítica literária e teoria da tradução. Palestrou na Universidad de Sevilla, na Université de La Sorbonne, Paris 3, e em eventos da Fundación de las Tres Culturas del Mediterráneo e E-Sefarad (Espanha). Dedica-se ao projeto Écrivaines Salonnières du Monde e à escrita da biografia de Antoinette de Loynes, com apoio da Universidad Complutense de Madrid. Sua mais recente conquista foi o 65.º Prêmio Jabuti de Melhor Tradução em dezembro de 2023, junto ao Coletivo Finnegans (Editora Iluminuras), concedido pela Câmara Brasileira do Livro.

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